quinta-feira, 16 de junho de 2011

"O Processo e o Procedimento" - Teoria do Processo

Texto Acadêmico de Direito #2- O Processo e o Procedimento – Teoria Geral do Processo.


1- Introdução

Este trabalho tem como objetivos resgatar e discutir a forma como a doutrina e a jurisprudência do STF interpretam e operam os conceitos de Processo e Procedimento. Por suposto, os sentidos dados às respectivas categorias possuem importantes implicações, não só teóricas, mas práticas, como se constatou a partir da análise de julgados do Supremo Tribunal Federal: identificamos, mesmo, certa confusão acerca dos dois conceitos em acórdão da Corte Constitucional o que sinaliza, entre outros, a atualidade e importância de novas reflexões/pesquisas acerca do tema.
Outrossim, este trabalho deverá, a partir da exposição teórica e das implicações práticas da oposição entre processo e procedimento, buscar dar respostas às três perguntas formuladas nas “Instruções” do trabalho, a saber: (i) como a doutrina distingue processo de procedimento?; (ii) em que medida essa distinção é útil?; (iii) O STF analisa adequadamente a diferença entre esses dois conceitos?

2- Metodologia

Optamos por organizar e dividir o trabalho de maneira a, primeiramente, resenhar e expor algumas reflexões críticas acerca da bibliografia indicada, resenhar e expor algumas reflexões críticas acerca da jurisprudência pesquisada e finalmente oferecer uma proposta de síntese dos estudos. Não houve, portanto, a divisão formal da pesquisa de maneira a reduzi-la a esquema de “pergunta” e “resposta”: nossa proposta é oferecer as respostas ao longo da exposição geral do tema.
A opção por esta metodologia decorre, em primeiro lugar, da possibilidade de contemplar algumas discussões que eventualmente tangenciam o problema da oposição entre processo e procedimento[1] e que eventualmente poderiam ficar de fora, num eventual formato de pesquisa dedicado exclusivamente a responder objetiva e especificamente o enunciado das “instruções”. Em segundo lugar, optou-se por esta metodologia de maneira a sinalizar a abrangência do tema de maneira geral e das perguntas propostas especificamente: estas perguntas serviram antes como orientadoras dos nossos estudos sobre o tema.
3- Noções Gerais do Processo
O processo deriva do latim procedere, correspondendo, segundo DINAMARCO, GRINOVER e CINTRA, a “marchar avante” ou “caminhada”. Desde já, o conceito assume um sentido de movimento. A ideia de movimento é alcançada, em certa medida, pelos diversos autores pesquisados de quando da definição jurídica do processo, particularmente ao se levar em consideração uma das suas características específicas, a progressividade.
Para uma definição da natureza jurídica do Processo, deve-se, primeiramente, fazer um rápido resgate histórico da forma como o fenômeno tem sido compreendido. Historicamente, houve diversas teorias acerca da natureza jurídica do Processo.
Em Roma, entendia-se o processo como um contrato – privilegiava-se, aqui, um ângulo privatista do processo, opondo-se ao seu reconhecimento público na modernidade[2].
Entendeu-se, igualmente, o Processo como Instituição, Entidade Jurídica Complexa, Quase-Contrato e Situação Jurídica. Para os objetivos do trabalho, cumpre apenas apontar a definição jurídica predominantemente reconhecida pela doutrina e a partir da qual utilizaremos como base para a comparação entre processo e procedimento. Com a obra de Bülow, consagrou-se o entendimento do Processo como umarelação jurídica. Tal relação jurídica processual diferencia-se das relações jurídicas do direito material em função dos seus sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); objetos (prestação jurisdicional) e pressupostos processuais.
Ainda, tal relação diz respeito a um vínculo “complexo” para alguns autores [3] ou “difuso”[4] para outros. Isto significa que os agentes envolvidos no processo possuem distintas faculdades, ônus, poderes, deveres e obrigações.
Portanto, uma primeira e sintética definição de processo pode ser: uma relação jurídica, submetida a uma instrumentalização metódica (o procedimento) para que se possa desenvolver perante o Poder Judiciário. A metodização e a instrumentalização se dão, por sua vez, a partir dos procedimentos judiciais.
Já arriscando uma primeira diferenciação entre Processo e Procedimento, a título de melhor definir o primeiro, coloca-se que o Processo envolve uma série de atos e fatos jurídicos, contemplando relações “complexas” ou “difusas” entre os sujeitos, cuja finalidade é o exercício do poder jurisdicional. O processo tem uma dimensão teleológica, finalísticas e, no âmbito do Estado de Direito, mantém vínculos políticos decorrentes de garantias constitucionais, particularmente, o Direito ao contraditório. Já o Procedimento tem uma dimensão formal, correspondendo às ações que externalizam o Processo. Numa fórmula matemática: Processo = Procedimento + Contraditório.
Vale ressaltar que Processo, ao contrário de certo senso comum, não se confunde com os autos, sendo este último a materialidade física/documental/digital do Processo.
Finalmente, alguns último elementos constitutivos do Processo.
Como afirmado, os sujeitos do processo referem-se ao Estado, ao demandado/reclamado/réu e ao demandante/reclamante/autor. O Objeto da relação processual corresponde ao serviço jurisdicional que o Estado deve prestar. No ordenamento jurídico brasileiro, os pressupostos processuais correspondem a: i- demanda regularmente formulada; ii- capacidade de quem a formula; iii- investidura do destinatário da demanda, ou seja, a qualidade de juiz.
Como características gerais e específicas do Processo, destacamos: i- a complexidade, referente a teia de posições jurídicas ativas e passivas que relacionam os sujeitos do processo; ii- a Progressividade, referente ao fluxo de situações e fatos jurídicos que marcam a ideia original de movimento do processo, atos e fatos jurídicos que conduzem de uma posição jurídica a outra, ao longo de todo arco do procedimento; iii- unidade, ou seja, o fato de, no Processo, todos os atos e posições jurídicas serem coordenados a um objetivo comum, que é a emissão de um provimento jurisdicional; iv- estrutura tríplice referente aos três sujeitos do Processo; v- natureza pública do Processo; vi autonomia da relação processual ao chamado direito material, em outras palavras, a relação jurídica processual independe, para ter validade, da existência da relação de direito substancial controvertida.

4- Noções Gerais do Procedimento

O Prof. Fernando da Fonseca Gajardoni dedica algumas páginas de sua pesquisa à diferenciação entre processo e procedimento. Assim como DINAMARCO, GRINOVER e CINTRA, identifica uma dimensão teleológica/finalística do processo, correspondendo este a uma entidade complexa composta pelo conjunto de todos os atos necessários para a obtenção de uma providencia jurisdicional em determinado caso concreto. O processo, neste entendimento, comporta o procedimento. O processo pode, assim, conter um ou mais procedimentos (procedimento recursal), ou, inclusive, apenas um procedimento incompleto (indeferimento da petição inicial).
O aspecto dinâmico, aquilo que põe o processo em movimento, segundo Gajardoni, é o Procedimento – este corresponderia, portanto, ao processo em movimento, significando, aqui, o modo pelo qual os diversos atos processuais se relacionam na série constitutiva do processo, “pouco importando a marcha que tome para atingir seu objetivo final”.
Ora, se pouco se importa a “marcha” para o “objetivo final” no procedimento, ressalta-se aqui o conteúdo meramente formal do procedimento em contraposição à dimensão finalística (“marcha” e “objetivo final” do processo) – este pareceu, na nossa opinião, o eixo a partir do qual se deve delimitar processo de procedimento.
Em termos mais simples e objetivos, o procedimento é a forma ou o meio, a maneira pela qual os atos processuais estão ligados entre si, o inter a ser seguido até a obtenção do provimento final. Já em termos práticos e exemplificativos, o procedimento fixa regras para que as partes pratiquem os atos processuais tendentes a conduzir cada tipo de processo do começo ao fim.
Dentro da evolução histórica do ordenamento jurídico brasileiro, a diferenciação das ideias de Processo e Procedimento datam do Código do Processo Civil de 1973. Antes do código vigente, informa Gajardoni, não havia clara distinção entre as categorias, de maneira a se admitir, na Carta Constitucional de 1891, competência de União e Estados para se legislar sobre matéria processual.
A evolução histórica do federalismo brasileiro e as novas exigências jurídicas decorrentes das transformações políticas, imaginamos, foi fonte de transformações no ordenamento jurídico no sentido de se exigir, por motivos práticos, aquela diferenciação entre Processo e Procedimento. A Constituição Federal de 1988 ao determinar competência exclusiva da união para legislar sobre Direito Processual, certamente sinaliza alguma preocupação do ordenamento acerca da promoção da segurança jurídica, da previsibilidade do sistema, de maneira e criar melhores condições para o exercício do direito à tutela jurisdicional e à garantia do contraditório.
Seja como for, vale pontuar que mesmo o Código de Processo Civil de 1973, mesmo pioneiro na delimitação entre processo e procedimento, manteve passagens que causam confusão, dificuldade de diferenciação entre as categorias. Nas palavras de Gajardoni, “manteve a confusão entre processo e procedimento em algumas pouquíssimas passagens, como, por exemplo, quando manda se instaurar procedimento (e não processo) administrativo contra funcionário ou o juiz relapso (arts. 194 e 198 do CPC), ou quando se refere ao processo voluntário como procedimento (art. 1104 do CPC).

5-Discussões Doutrinárias: divergências

Um dissenso perceptível acerca do entendimento dos conceitos de Processo e Procedimento pode ser identificado na obra do Professor Cassio Scarpinella Bueno. Em seus estudos sobre Teoria Geral do Direito Processual Civil, discute a definição do Processo de maneira a sempre relacioná-lo com exigências políticas do Estado Democrático de Direito. Na nossa interpretação do autor, seu enquadramento da noção de Processo junto ao problema da Ordem Constitucional do país referem-se a indissociabilidade de meios e fins: a atuação processual do Estado (meio) tem o condão correlato de afastar da nossa cultura jurídica arbítrios e personalismos pelos agentes que exercem funções de poder. Neste sentido, encontramos, aqui uma noção original de Processo. A noção de processo, de acordo com Scarpinella decorre de opção política feita pela Constituição brasileira de criar um específico modelo de Estado (Estado de Direito com o poder limitado pela constituição): o Estado só tem legitimidade para exercer suas funções na medida em que agir processualmente, isto é, “agir em consonância com e de acordo com um modelo prefixado que permita o escorreito exercício do poder que só se legitima na exata medida em que se vise, com ele, o atingimento de um determinado dever”.
Portanto, a constituição ampara o processo no sentido de fazer com que este ofereça limites ao arbítrio. Identificamos no autor uma abordagem, na nossa interpretação, original do Processo, menos como uma mera relação jurídica como aponta a doutrina predominante e mais como um método de atuação do Estado. O sentido por trás do método torna-se essencialmente político, correspondendo ao estabelecimento de princípios e regramentos que vinculam o exercício de qualquer função estatal. Uma problematização decorrente da proposta de teorização de Processo de Scarpinella é o fato de sua concepção encerrar o problema do Processo no âmbito do Estado, eventualmente não contemplando ou reconhecendo devidamente os demais sujeitos do processo, o autor e o réu.

6- Processo x Procedimento – Jurisprudência

A oposição e diferenciação entre Processo e Procedimento tem implicações práticas importantes. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, as discussões sobre o tema resvalam especificamente sobre eventuais violações dos arts. 22, I e 24, XI da CF, correspondendo, respectivamente, às competências privativas da União para legislar sobre matéria processual e da União e dos Estados sobre matérias procedimentais.
Outrossim, a distinção entre processo e procedimento acaba não sendo bem delimitada pela jurisprudência. Na prática, o STF acaba, eventualmente, englobando atos típicos de procedimento como se fosse processos, restringindo, por exemplo, a competência legislativa dos Estados. Exemplificaremos tal assertiva a partir da exposição de dois julgados da Corte Constitucional Brasileira.
O primeiro exemplo de jurisprudência corresponde à Adin 3896-6 movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros e tendo como pólo passivo a Assembleia Legislativa de Sergipe. Naquele estado foi aprovada lei, julgada pelo Supremo como inconstitucional, que confere a delegado de polícia a prerrogativa de ajustar com o juiz ou a autoridade competente a data, a hora e o local em que será ouvido como testemunha em processos e inquéritos. Alegou-se justamente na inicial violação do art. 22, inciso I, determinando, conforme manda a constituição, que o estado federado não tenha capacidade de legislar sobre matéria processual.
Para os objetivos do presente estudo, a diferenciação teórica e prática de processo e procedimento, cumpre destacar passagem do voto da ministra relatora Carmen Lúcia no sentido de sinalizar eventual equiparação entre processo e procedimento. Citando manifestação do Advogado-Geral da União, afirma a relatora: “sem exigir profunda reflexão, é possível afirmar que a temática tratada pelo ato impugnado relaciona-se com a alteração do tramite ordinário, em favor dos delegados da polícia de carreira, dos inquéritos e processos em que figurem como ofendidos ou testemunhas. Esses dois institutos jurídicos, o inquérito e o processo, em borá individualmente delineados, possuem intrínseca relação. Numa ótica simplificada, pode-se afirmar quer o inquérito é elementos de instrução do processo, o qual, por sua vez, pode, inclusive, depender da convicção formada naquele para sua existência, (...) Com efeito, além de se relacionarem com mútua dependência na dinâmica jurisdicional, esses institutos podem ser reunidos sob uma mesma perspectiva temática, precisamente sob a ótica que congrega os institutos dedicados à forma com que se desenvolve a aplicação ou a realização coercitiva do Direito pelo Estado: ou seja, a do direito processual. Ocorre que a regência do processo, elemento central do objeto de tutela do direito processual, sobretudo quando se constata que a finalidade maior do processo é a aplicação eficiente do direito, não pode ignorar os institutos que com ele se relacionam ou o preparam, como o inquérito”.
Diante do exposto, ainda que eventualmente fique claro que a lei sergipana 4122 seja inconstitucional, percebemos, pela interpretação do voto, certa percepção supostamente lata da ideia de Processo, sinalizando o que havíamos afirmado anteriormente: certa tendência identificada da jurisprudência do STF englobar atos procedimentais como Processos, restringindo a capacidade de ação dos Estados.
Finalmente, ilustraremos outro julgado do STF que igualmente trata do tema: porém, neste caso específico, o STF não reconhece haver intervenção legislativa de Estado federado em matéria de Direito Processual, sem contudo, apresentar discussão sobre a delimitação entre Processo e Procedimento.
Trata-se da Adin 1919-8 de São Paulo, tendo como requerente o Procurador-Geral da República e o Requerido o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. A escolha do presente julgado é especialmente didática por oferecer indicações das ideias de Processo, Procedimento e Autos. Alega-se na inicial a inconstitucionalidade do Provimento no 556/97 do TJ-SP que dispõe sobre a destruição física de autos de processos arquivados há mais de cinco anos em primeira instância. Alega-se aqui, mais uma vez, a não competência legislativa do Estado uma vez que o Provimento teria natureza Processual. O provimento, conforme se extrai das discussões apresentadas no julgado, corresponde à mera norma administrativa.
O voto da Ministra Ellen Grace pode, eventualmente, sinalizar um novo tipo de entendimento presente no STF acerca da ideia do processo, mais próximo da diferenciação proposta no presente trabalho – ainda que não há no julgado, reitera-se, menção doutrinária da diferença entre Processo e Procedimento. Ilustraremos a concepção de Processo da Ministra relatora, in verbis e à título de conclusão:
“No tocante à alegação de invasão de competência legislativa perpetrada pelo Provimento contestado nesta ação direta, ainda que a precisa delimitação entre a seara das normas de direito processual e das regras emanadas pelos Tribunais no exercício de sua competência administrativa possa ensejar algumas dificuldades tenho para mim que o tema relativo à destruição dos autos de processos judiciais arquivados não é objeto das normas de direito processual, no sentido estabelecido pela Constituição em ser art. 22, I. Ao fixar a competência concorrente dos Estados para legislar sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, XI) e ao atribuir aos Tribunais, privativamente, a iniciativa de elaborar as regras referentes à sua auto-gestão (art. 96, I), a CF afastou do art. 22, I o sentido lado do termo “direito Processual” para abarcar apenas normas relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, ou ainda, na lição de Frederico Marques, normas que têm em vista compor preceitos que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição”

9- Bibliografia

ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos; DINAMARCO, Candido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo, 26 ed., São Paulo, 2010.
SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de direito processual civil, 4 ed., São Paulo: Saraiva, 2010, V.1.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental. São Paulo: Atlas, 2008.
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. Ed. Saraiva. 5ª Edição. 2009.

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